Saúde única em busca de soluções para a leptospirose

 

Mariella de Oliveira-Costa – Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília

 

O Rio Grande do Sul tem a 5ª maior taxa de incidência de leptospirose do país, com cerca de 400 casos anuais, ocorrendo tanto na zona rural quanto na periferia das grandes cidades. Ele é o primeiro estado do Brasil que inclui a leptospirose como doença de notificação obrigatória, e que tem nos processos de produção da região alguns fatores de risco para esta enfermidade, como o arrozal e a pecuária. Estas são algumas das razões que levaram a organização da Feira de Soluções para a Saúde: Saúde Única para territórios saudáveis e sustentáveis a dedicar uma manhã inteira na programação do evento para que especialistas do Brasil e do exterior apresentassem diferentes pontos de vista em torno das estratégias de combate à doença.

O diferencial do evento, porém, foi a possibilidade de que os pesquisadores apresentassem o tema a partir do conceito de One Health, Saúde Única, que consegue ser exemplificado de maneira simples a partir da realidade da leptospirose. Sabe-se que a transmissão humana da leptospirose é produto da relação dos homens com os animais e o meio ambiente. O ciclo de transmissão porém, depende do clima, dos biomas e condições ecológico-sociais, que são específicos demais para se extrapolar os resultados dos estudos científicos localizados para outras regiões.

Este enfoque de uma só saúde mostra que, nos casos humanos de leptospirose a exposição indireta através da água e solo contaminado pela urina de animais infectados é a via mais comum de exposição, portanto exemplifica bem a interface ecossistema – homem – animal.

No estado gaúcho, os componentes para a leptospirose podem ser analisados à luz da Saúde Única, da seguinte forma: em relação ao componente humano, consideram-se os casos por ano oficialmente notificados; os cuidados de saúde, da hospitalização às situações de alta complexidade como a necessidade de hemodiálise. Além disso, as alterações da vida cotidiana do paciente e sua família também devem ser considerados, em especial as famílias mais vulneráveis como as de agricultores, que podem ser afetados na sua qualidade de vida e também economicamente.

Para análise do componente animal, as diferentes espécies domésticas e silvestres que transmitem a bactéria ao ambiente e às pessoas por meio da urina devem ser analisadas. As perdas econômicas dos casos em animais, já que há abortos e diminuição na produtividade pecuária, também fazem parte desta equação que considera ainda os roedores silvestres, abundantes no Estado, entre eles o rato Myocasto, conhecido por transportar e lançar leptospiras em água doce na Europa (evento ainda não estudado no sul do Brasil).

Em relação ao ecossistema, é preciso considerar que há áreas com condições ambientais favoráveis a surtos de leptospirose, como inundações na região metropolitana de Porto Alegre e bacia dos rios Taquari e Caí. Há também tipos de solos com pH e estrutura que permitem maior sobrevivência da bactéria Neossolo Litolítico na área central do estado. Determinados tipos de uso de terra como plantio de arroz, muito comum no estado também fazem parte desta rede que favorece o desenvolvimento da doença. “A leptospirose é um exemplo perfeito de One Health. As famílias mais vulneráveis poderão ser afetadas a vida inteira”, afirmou a pesquisadora Maria Cristina Schneider, mediadora da sessão e que já trabalhou na Organização Panamericana da Saúde e no Ministério da Saúde. Ela fez um resgate da leptospirose no Rio Grande do Sul em abordagem ecossistêmica.

Diálogo acadêmico e governamental

A pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Marta Pereira, apresentou um roteiro para a pesquisa em políticas de saúde em leptospirose na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Ela é diretora do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Leptospirose e afirmou a necessidade de se focar em uma visão integrada da saúde, com coleta e análise de dados oficiais e publicações científicas. Segundo ela, é preciso reconhecer o cenário regional na América Latina, considerando-se aspectos eco-epidemiológicos e os sistemas de vigilância; e investimento em pesquisa translacional (diagnóstico, alternativas terapêuticas, prevenção e controle), além de novas tecnologias e ferramentas para a política de saúde. Ela propôs uma visão integrada para que a leptospirose seja tratada como doença negligenciada, já que ainda não foi incluída na lista oficial dessas doenças e também chamou a atenção para se avaliar as ferramentas de diagnóstico e prevenção da doença.

“Há aspectos clínicos e do tratamento da leptospirose humana que ainda representam um desafio na prática clínica, mesmo em hospitais especializados e preparados para o atendimento de alta complexidade. Os pacientes morrem mesmo havendo excelentes especialistas nos serviços”, afirmou. Ela sugeriu ainda as melhorias nos sistemas de vigilância e fluxos de informação considerando os conceitos operacionais de Uma Só Saúde e que as metas dos programas de vigilância sejam alinhadas às metas do desenvolvimento sustentável explicitadas na Agenda 2030.

A responsável pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RS), Lucia Mardini, trouxe dados sobre a epidemiologia da doença no estado e como o sistema de saúde tem cuidado das pessoas. Segundo ela, a maioria das notificações em 2018 (59%) foi realizada na atenção especializada, 24% na atenção básica e o restante na atenção secundária. Ela listou alguns cuidados para a notificação e manejo de casos suspeitos de leptospirose, como a necessidade de se organizar a rede de assistência básica, que, como porta de entrada do sistema, deve fazer a notificação dos casos. A redução do tempo de espera para atendimento médico é, na visão dela, fundamental para diminuir o agravamento da doença e a chance de óbito. O acolhimento com classificação de risco nas unidades e a organização da rede de assistência médica especializada também foram citados.

Segundo Mardini, as perspectivas futuras envolvem considerar os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença, o perfil epidemiológico regional, a situação de saúde dos grupos populacionais específicos e vulneráveis, com uma comunicação eficiente do risco, a criação de um grupo de trabalho intersetorial envolvendo diferentes órgãos e também o controle social. “A população deve entender seu papel e que isso é também um problema dela”, disse.   

O representante da Secretaria de Agricultura do Estado, Rogério Rodrigues, apresentou estudos nesta área e ressaltou a necessidade de diálogo e ação conjunta com a Secretaria de Saúde.

O pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, Allan McBride, apresentou as possibilidades de pesquisas na área de desenvolvimento de vacinas, chamando a atenção para o alto custo de desenvolvimento e implementação de imunização de humanos.  Ele citou experimentos com soros produzidos pela Fiocruz Bahia e ressaltou a necessidade de investimento em microbiologia básica da bactéria Leptospira spp. Na sua visão, uma alternativa possível seria o investimento na produção de vacina para imunização animal.

A professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Minesota, nos Estados Unidos, Claudia Muñoz, apresentou o panorama global da doença no mundo e os desafios para se entender a situação epidemiológica mundial. Segundo ela, a mais alta incidência da doença está próxima dos trópicos e é previsto que, anualmente, se registrem cerca de um milhão de casos clínicos e 60 mil mortes em todo o mundo. Em 2015, a leptospirose foi incluída na lista de indicadores básicos sobre saúde, da Organização Panamericana da Saúde.

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