A Rede de Pesquisa Clínica e Aplicada em Chikungunya (Replick), uma iniciativa fruto da parceria entre o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), foi lançada na última sexta-feira, dia 10 de maio, durante o Simpósio Desafios e Oportunidades na Pesquisa Clínica em Chikungunya: Produzindo Evidências para Saúde Pública. A Replick envolve profissionais de 25 instituições de pesquisa e ensino em nove estados brasileiros. A mesa de abertura do evento contou com as presenças de Valdiléa Gonçalves Veloso dos Santos, diretora do INI; de Marco Aurélio Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS/Fiocruz); Denizar Vianna, secretário da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE/MS); Julio Croda, diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis (Devit/SVS/MS); Camile Sachetti, representante do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit/SCTIE/MS); Cristina Lemos, representante da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; Carlois de Mello, representante da Organização Pan-americana de Saúde (Opas/OMS), e Sinval Brandão Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT).
“Como pesquisadora sei como é difícil estruturar uma rede desse porte, por isso quero parabenizar a todos os envolvidos no INI nesse processo e agradecer ao Ministério da Saúde pela parceria, porque sem o apoio dos gestores nós não conseguiríamos implementá-la. É fundamental destacar a importância desse trabalho pois caracteriza bastante o papel do nosso Instituto, a nossa capacidade de responder às ameaças de Saúde Pública rapidamente. Nós atuamos ativamente em diversas epidemias ao longo dos anos e penso na importância de manter essa rede articulada, o grupo preparado, para responder o mais brevemente possível a outras epidemias que certamente virão”, destacou a diretora do INI, Valdiléa Veloso.
“A Rede é apenas um dos exemplos de como o Brasil pode se organizar para dar respostas efetivas no combate às diferentes epidemias, neste caso em específico, para a Chikungunya”, destacou Marco Krieger (VPPIS/Fiocruz). Ainda durante sua exposição, Krieger falou sobre o papel da Fiocruz no desenvolvimento tecnológico, nos ensaios e testes clínicos, aproveitando os hospitais e serviços ambulatoriais existentes nas suas unidades. Além disso, destacou a produção de insumos para o SUS em uma instituição que tem a Saúde como promotora de cidadania e que emprega cerca de 10% da força de trabalho nacional na área.
Denizar Vianna (SCTIE/MS), Julio Croda, (Devit/MS) e Carlois de Mello (Opas/OMS) lembraram o desafio que gestores de todas as esferas enfrentam atualmente com as epidemias que assolam o país. No que se refere às arboviroses em particular, todos ressaltaram que a regionalidade é um dos fatores chaves para esse problema, pois esses agravos apresentam comportamentos diferentes. Segundo eles, o tratamento da população deve ser adaptado em cada local e foram unânimes ao afirmar que o envolvimento com a academia é fundamental para que isso seja possível.
A proposta da Rede Replick é acompanhar uma coorte de dois mil pacientes, do diagnóstico ao manejo clínico da Chikungunya, consolidando dados e experiências implementadas com sucesso no Sistema Único de Saúde (SUS) de forma melhorar protocolos, amenizando assim os impactos da doença na saúde da população. Ao envolver uma extensa e diversificada gama de profissionais, como médicos (infectologistas, reumatologistas e clínicos), enfermeiros, farmacêuticos, biólogos, economistas, cientistas sociais, entre outros, a Rede é um grupo articulado que pode servir de modelo para outras ações no país.
O coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, Paulo Gadelha, falou sobre esse plano de ação universal, indivisível e integrado que agrega as dimensões econômica, social e ambiental em busca do desenvolvimento social a partir de 5Ps: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias. Gadelha destacou que o Brasil teve um papel protagonista na construção da Agenda 2030 ao buscar dar mais visibilidade para questões sociais e incorporar o tema Saúde e o reconhecimento do papel central da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Rede Replick
O pesquisador principal da Replick e integrante da equipe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do INI/Fiocruz, o médico infectologista André Siqueira apresentou a Rede de Pesquisa Clínica e Aplicada em Chikungunya. Composta por 25 instituições de pesquisa e ensino em nove estados, a Rede envolve cerca de 40 pesquisadores focados em investigar como a doença afeta a vida da população não apenas em termos clínicos, mas também econômicos, psicológicos e sociais. O trabalho será feito em conjunto com gestores municipais e estaduais e com Ministério da Saúde para discutir pontos importantes a serem investigados durante os próximos três anos em uma coorte de cerca de duas mil pessoas em todo o país. A Replick conta com financiamento do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis (Decit/SVS/MS) e teve como base para sua construção a experiência exitosa da Renezika, que integra gestores, pesquisadores e sociedade civil no enfrentamento do vírus Zika e seus impactos.
O estudo está dividido em quatro eixos temáticos: clínico, translacional, terapêutico e epidemiológico. “O aspecto clínico define como medir o acometimento da Chikungunya e avaliar a melhora ou piora dos pacientes. Na parte translacional vamos investigar marcadores e fatores associados com as manifestações clínicas, riscos de cronicidade e complicação da doença. Na terapêutica abordaremos os diferentes tipos de tratamento, sejam medicamentosos ou complementares como as chamadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). Por fim, na parte epidemiológica discutiremos outros estudos para entender a abrangência da doença de forma a incluir pesquisas que apresentem os impactos socioeconômicos e psíquicos causados pela doença nos pacientes”, ressaltou André.
“Nós estamos em busca de dados para entender melhor a doença e quais as formas de amenizar o sofrimento das pessoas. Tínhamos uma impressão de que a Chikungunya causava dor e não óbito, mas essa visão está sendo revista. Nossos estudos avaliarão isso melhor, de forma a propor soluções para esse grave problema de saúde que se apresenta em nosso país”, disse.
Mesas redondas apresentam diferentes aspectos da Chikungunya
Trazendo uma série de convidados nacionais e internacionais, as discussões no Simpósio Desafios e Oportunidades na Pesquisa Clínica em Chikungunya: Produzindo Evidências para Saúde Pública foram divididas de forma a representar os quatro eixos de atuação da Rede. O professor Fabrice Simon, da Laveran Military Teaching Hospital, na França, falou sobre as lacunas a serem preenchidas no conhecimento sobre Chikungunya a partir da Pesquisa Clínica, como a definição dos determinantes, preditores e biomarcadores do hospedeiro e do vírus para a ausência ou presença de sintomas, ou a evolução e persistência do vírus em diferentes órgãos e fluidos corporais. Já Guilherme Ribeiro, pesquisador da Fiocruz Bahia, abordou o espectro da doença e sua diferenciação de outras arboviroses, lembrando que diversos fatores podem determinar a forma de evolução da infecção e que o dogma de que mais de 75% das infecções são sintomáticas é algo questionável por conta de estudos recentemente publicados.
Angela Duarte, da Universidade Federal de Pernambuco, abordou sua experiência com as manifestações reumatológicas da Chikungunya, destacando que no caso da fase crônica da doença é necessário um diagnóstico diferencial, através de uma avaliação clínica e biológica adequadas. O pesquisador Hugh Watson, da Evotec Infectious Diseases (França), falou sobre o que deve ser medido e avaliado nos estudos terapêuticos na doença Chikungunya. Focando também nos aspectos reumatológicos, afirmou que cabe aos pesquisadores avaliar a gravidade da doença usando medidas padronizadas.
Ao falar sobre os estudos genômicos e reposicionamento de antivirais em resposta a recentes emergências de Saúde Pública, o pesquisador Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), destacou que a Chikungunya é susceptível ao sofosbuvir, quando ministrado no início dos sintomas. O fármaco, utilizado em casos de hepatite C crônica e testado em casos extremos de febre amarela, mostrou resultados positivos. O pesquisador da Imperial College (Reino Unido), Danny Altman, abordou a questão da imunidade adaptativa ao arbovírus com a apresentação de diferentes estudos publicados em periódicos científicos. Durante sua fala, questionou os participantes: quando se pensa em neuropatologia, seja em Zika ou Chikungunya, como um pesquisador pode ter certeza se está olhando para uma patologia que é viral ou mediada pelo sistema imunológico?
Vacina para Chikungunya
O pesquisador da Universidade de Oxford (Reino Unido), Arturo Sandoval, apresentou sua experiência com o desenvolvimento de uma vacina contra a Chikungunya que já está em fase de testes clínicos em humanos na Inglaterra e deve começar a ser testada também no México em 2020. O estudo vem sendo realizado há quatro anos e com a certeza de que ela é 100% segura e eficaz para a população, poderá chegar ao mercado em três a cinco anos. A ideia de Arturo é buscar parcerias para levar a vacina para países onde a doença é uma epidemia, como no caso brasileiro.
Ao abordar o aspecto terapêutico da doença, o pesquisador da Fiocruz Pernambuco, Carlos Brito, apresentou o protocolo do Ministério da Saúde no manejo clínico da doença, mas destacou que ainda não existem uma abordagem terapêutica adequada para os casos graves. Brito destacou também que é fundamental repensar o modelo de capacitação dos profissionais de saúde do SUS, de forma a que tenham um melhor preparo para enfrentar novas epidemias com uma melhor organização do serviço a ser oferecido para a população.
O papel das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) foi tema da apresentação do pesquisador Bernardo Coutinho, da Universidade Federal do Ceará. Na sua palestra, Coutinho explicou que PICS são tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais e que já existem 29 sendo ofertados no SUS, como acupuntura, homeopatia, cromoterapia, biodança, Reiki, auriculoterapia, entre outros.
Ao avaliar as intervenções para condições complexas no âmbito da Chikungunya, o coordenador da Replick, André Siqueira, explicou que ensaios adaptativos avaliam estratégias e podem prover respostas robustas e adaptáveis para cada indivíduo. Para ele, as comparações entre drogas não necessariamente respondem ao questionamento de quem se beneficia (ou não) com cada medicamento.
Encerrando o Simpósio, o pesquisador Hugh Watson, da Evotec Infectious Diseases (França), falou sobre a experiência de tratamentos alternativos para a doença com a utilização de anticorpos monoclonais retirados do sangue de pacientes recuperados de Chikungunya, recombinados geneticamente em laboratórios e testados em primatas não humanos. Quando ministrados antes da infecção impediram significativamente a carga viral e a inflamação pelo vírus e que, futuramente, pode se tornar um método de tratamento eficaz para a população.
Por: Texto: Antonio Fuchs / Edição: Juana Portugal
Fotos: Felipe Varanda