Comunidade sustentável é destaque em cidade do Rio Grande do Sul

Com o desenvolvimento econômico e urbano, algumas pessoas buscam um estilo de vida de baixo impacto ecológico e auto sustentável. A experiência será apresentada na Semana Uma Só Saúde

Nathállia Gameiro – Ascom Fiocruz Brasília

O estresse do dia a dia, a violência, o trânsito e a poluição das cidades tem levado algumas pessoas a buscarem comunidades alternativas para morar, em um ambiente com mais contato com a natureza, baseada na preservação, sustentabilidade e bem-estar dos seus habitantes. É o caso dos moradores da comunidade intencional localizada na zona rural de Sapiranga, uma das cidades que formam a região metropolitana de Porto Alegre e tem hoje pouco mais de 81 mil habitantes. A iniciativa busca levar um envelhecimento ativo e com saúde e qualidade de vida para os moradores.

Esta experiência será apresentada na Semana Uma Só Saúde, durante a Feira de Soluções para a Saúde – Saúde Única para Territórios Saudáveis e Sustentáveis, em Bento Gonçalves (RS), entre os dias 22 e 25 de abril.

Sarapiranga se destaca no cenário gaúcho pelo grande número de jardins e canteiros com rosas que enfeitam as ruas e praças do local, recebendo assim o nome de Cidade das Rosas. Na área rural, localizada a cerca de 4 km do centro da cidade, moram mais de 2.500 pessoas. As comunidades intencionais agrupam pessoas com afinidades e oferecem modos de vida alternativos à sociedade e auto sustentáveis. São organizadas na lógica do trabalho comunitário e colaborativo, com alternativas para a proteção do meio ambiente e necessidades básicas como produção e alimentação. É um modelo difundido em todo o mundo. Não se tem dados precisos do número de comunidades intencionais existentes e ativas no mundo hoje, mas segundo dados da Fellowship for Intentional Community (FIC) e da Global Ecovillage Network (GEN), existem mais de 2720 comunidades intencionais ao redor do mundo, e cerca de 22 são brasileiras.

A idealizadora do projeto e enfermeira da atenção básica no município de Campo Bom, vizinho a Sapiranga, Leila Holz, 42 anos, conta que a iniciativa contribuiu social e economicamente com as famílias locais, gerou renda, recuperou a responsabilidade dos cuidados de saúde, possibilitou acesso à horta urbana livre de agrotóxicos, estimulando a interação entre moradores e o desenvolvimento de um senso de comunidade e de pertencimento, com controle também do êxodo rural. “Foi uma forma de empoderar a comunidade e promover a saúde através da autonomia dos indivíduos, orientando para o autocuidado efetivo”, ressalta.

A área da comunidade sustentável abrange um sítio com fonte natural de água e mata nativa e uma área de preservação ambiental pertencente a uma cooperativa. No local, os moradores produzem mel, peixes, ovos, carne, leite e outros produtos de hortas, pomares e granjas para consumo próprio. Há a venda de ervas aromáticas e medicinais, mudas de plantas, produtos artesanais e artesanato e oferta de moradias para um grupo de pessoas com interesses em comum.

Foi implementado também um hostel para proporcionar a experiência de maneia esporádica aos interessados, onde eles podem participar das atividades de cultivo e plantio de horta, pesca e colheita de frutas e verduras. Leila explica que é uma hospedagem rural e domiciliar, e por isso, não funciona como hotel ou pousada. “A pessoa vem para passar um tempo numa área rural e fazer coisas que comumente as pessoas que moram na área rural fazem. Nada é imposto, é tudo negociável, até o pagamento. Alguns pagam em dinheiro e outros em serviços. O compartilhamento do sítio com outras pessoas é importante até para nós que moramos ali: as coisas devem ser compartilhadas para que outras possam usufruir”, explica. O lucro com as hospedagens são direcionados para a ampliação e melhoria da infraestrutura.

Está sendo construída uma cozinha industrial, com o objetivo de trabalhar a alimentação saudável também com os moradores do entorno e escolas, usando alimentos acessíveis e colhidos no próprio sítio, incluindo as plantas alimentícias não convencionais (PANCs). A população local vai crescer em breve, já que o terreno ao lado, pertencente a uma cooperativa nacional, liberará 192 novos lotes para construção de casas. Leila afirma que pretende fazer um trabalho com a comunidade, com compostagem, separação de lixo, produção de horta, projetos de alimentação saudável com as famílias.

Este é um modelo que pode ser adotado em diferentes estados, segundo a enfermeira e professora Vânia Dezoti Micheletti, orientadora do trabalho, pelo baixo custo, foco na organização da comunidade, preservação do meio ambiente e cuidado com a saúde mental.

Ela ressalta que a iniciativa é inovadora e se tornou um exemplo na região. Para ela, a participação na Semana Uma Só Saúde possibilita mostrar para os gestores que, com parcerias, é possível concretizar ideias onde se trabalha em comunidade e em busca do benefício da sociedade, melhorando a qualidade de vida e a saúde mental dos moradores. Micheletti ressalta que as comunidades intencionais podem responder aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

Vânia ressalta que a convivência comunitária em um ambiente inclusivo, promotor de autonomia e saúde pode ser uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento humano, participativo, econômico e social. “É uma forma de empoderar as pessoas, equipá-las com habilidades que possibilitem interagir efetivamente com o ambiente, facilitando as escolhas e melhorando a capacidade de autocuidado”, explica.

Como tudo começou

A população do local é formada, em grande parte, por adultos e idosos. “O cenário não muda, as pessoas estão envelhecendo e ficando sozinhas porque os mais jovens vão para a cidade trabalhar e não voltam. A vida em comunidade, o meio onde a pessoa vive tem grande impacto na saúde das pessoas e o autocuidado delas, o meio favorece isso”, conta Leila Heltz. Ela é filha de pequenos produtores rurais e integra o número de jovens que deixaram a vida no campo pela necessidade de trabalhar e estudar, mas sempre pensou em voltar.

Durante sua trajetória profissional, buscou alternativas e estratégias que possibilitassem qualquer pessoa a viver com qualidade de vida no campo, com o cuidado fora dos ambientes institucionais de saúde. Assim surgiu o projeto da comunidade intencional em Sapiranga. “Eu quis reconstruir o espaço que adquiri e fazer parecido com o local em que vivi na infância. Aquela imagem me trazia um bem estar e eu queria reconstruir”, disse.

O primeiro passo foi o reflorestamento da área do sítio, com a implantação de uma horta comunitária, coleta de restos de obra e lixo depositado em ruas próximas. Restos de construção, móveis, portas, janelas e outros objetos jogados na beira da estrada foram recolhidos. Leila afirma que, por ser uma área de interior, moradores da cidade tinham o costume de descartar lixo nessas ruas.  

Logo em seguida, com a dissertação do mestrado, a enfermeira criou um modelo de negócios sustentável e ecológico, por acreditar que qualquer trabalho social ou que tenha esse viés comunitário tem melhores condições de ter sucesso quando consegue se sustentar por si só.

Related Posts
Leave a Reply

− 2 = 4