ISENÇÕES E REDUÇÕES FISCAIS NA COMERCIALIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL

GT DE AGROTÓXICOS DA FIOCRUZ

FACT SHEET Nº 2

ISENÇÕES E REDUÇÕES FISCAIS NA COMERCIALIZAÇÃO,
INDUSTRIALIZAÇÃO E USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL

 

Quais são os tributos, tais como impostos, que não são cobrados ou são reduzidos na comercialização, industrialização e uso de agrotóxicos no Brasil?

No Brasil, há um pacote de reduções e isenções fiscais que caracterizam renúncias e desonerações fiscais que beneficiam o modelo de produção do agronegócio. Renúncias fiscais acontecem quando o governo abre mão de receber parte dos impostos, tendo como principal justificativa “estimular” a economia. Já a desoneração é a redução da carga tributária, tendo como consequência a renúncia de arrecadação. As renúncias e desonerações diretamente relacionadas aos agrotóxicos são:

  1. Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e contribuição para o Programa de Integração Social e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep):

    Redução a zero das alíquotas (percentual aplicado sobre a grandeza econômica para cobrança de tributo) da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno de fertilizantes e agrotóxicos. A norma que concede esta redução encontra-se na Lei nº 10.925, art. 1º, inciso II, regulamentada pelo Decreto nº 5.630/2005, art.1º, inciso II.

  2. Imposto sobre Importação (II):

    Isenção do II, estabelecida pelo Decreto nº 6.759/2009, art.136, inciso II, alínea h e arts. 172, 173, 201, inciso VI – alíquota zero. Ainda, a matéria também é normatizada pela Lei nº 8.032/1990, art.2º, inciso II, alínea ‘h’, que dispõe sobre a isenção ou redução de impostos de importação, e a Resolução Camex nº 125/2016, Anexos I e II, que altera a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e estabelece as alíquotas do imposto de importação que compõem a Tarifa Externa Comum (TEC) e a Lista de Exceções à TEC.

  3. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS:

    Possui duas formas de renúncia. A primeira é pela redução de 60% da base de cálculo (valor ou grandeza econômica sobre a qual se aplica a alíquota de um tributo), estabelecida pelo Convênio nº 100 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Este mesmo Convênio autoriza os estados a concederem isenção de 100% da alíquota do ICMS, o que deve ser feito por Decreto do Chefe do Executivo Estadual.

  4. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI):

    Isenção do IPI, por força das normas que instituem a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, disposta no Decreto nº 8.950/2016. Este decreto regulamenta a autorização genérica para a concessão desta isenção prevista no art. 2º, inciso II, alínea h, da Lei nº 8.032/1990.

O benefício fiscal concedido no âmbito do ICMS, do Pis/Pasep e da Cofins são considerados gastos tributários, ou seja, uma renúncia fiscal, pois têm o objetivo de arrecadar receita pública. Já para o IPI e o II, os benefícios fiscais concedidos têm caráter predominantemente extrafiscal, já que apresentam o objetivo de regular o comportamento dos agentes econômicos no mercado ou proteger o mercado interno. Nesse último caso, são vistos apenas como desoneração e não como renúncia fiscal.
Além das isenções e renúncias, diversos outros subsídios são concedidos ao agronegócio. Isso quer dizer que o Estado brasileiro deixa de arrecadar enormes quantias de dinheiro, que poderiam ser utilizadas para melhor atender aos interesses da sociedade, para que o agronegócio eleve ao máximo suas vantagens financeiras.

Embora as isenções e renúncias fiscais estejam previstas em lei, a tributação em atividades de elevado custo socioambiental e humano, como são aquelas que envolvem os agrotóxicos, é fundamental para assegurar, ao menos em parte, a redução dos danos relacionados à exposição a esses produtos, assim como para desestimular seu consumo, privilegiando assim práticas de menor impacto para a saúde, o ambiente e a sociedade.

Atualmente, a concessão de isenções tributárias aos agrotóxicos está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento principal de que esta medida “estimula um consumo intensivo que viola os direitos fundamentais à saúde e ao ambiente equilibrado”. Entretanto, apenas o ICMS e o IPI são objeto de impugnação na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.553. Importante destacar que o próprio Ministério da Fazenda não soube explicar as razões políticas ou macroeconômicas que justificam a isenção nos autos da ADI nº 5.553, limitando-se a dizer que as informações não constavam nos atos normativos que concederam os benefícios. Da mesma forma, o Ministério da fazenda atestou que não são realizadas avaliações voltadas à substituição dos incentivos fiscais de agrotóxicos por outro tipo de medidas.

 

Qual o valor estimado em desoneração e renúncia fiscal por conta dessa isenção no Brasil? Quanto o país deixa de arrecadar com isso?

Há uma grande dificuldade técnica de realizar um cálculo que englobe toda a perda de arrecadação, uma vez que estas ocorrem nos níveis estadual e federal e, ainda, que a ausência de cobrança muitas vezes implica na ausência de monitoramento sobre os produtos. Apesar destas dificuldades, alguns estudos vêm apontando dados sobre o quanto a sociedade brasileira perde.

Neste sentido, Neves (2019)[1], utilizando as despesas com agrotóxicos dos estabelecimentos do Censo Agropecuário de 2006, os dados de importação da Secretaria de Comércio Exterior referentes àquele ano e as legislações tributárias vigentes, estimou por estado a renúncia fiscal do ICMS e do Pis/Pasep e Cofins, que foi aproximadamente de R$ 4,5 e R$ 2,3 bilhões, respectivamente. Já a desoneração com IPI e do II foi de R$ 1,2 bilhões e R$ 95 milhões, respectivamente, que, somada às renúncias fiscais, consolidam para o Brasil um total de R$ 8,16 bilhões a menos nos caixas dos governos. Ressalta-se que todos os valores estão a preços de 31 de dezembro de 2017, conforme a inflação e o câmbio dessa data.

É importante salientar que o resultado encontrado é uma estimativa, pois não foi possível precisar o valor desonerado tendo em vista o sigilo fiscal dos contribuintes; a diversidade de regimes de apuração dos tributos devidos; o planejamento tributário dos contribuintes; e as peculiaridades de cada transação que são possíveis de ocorrer. Desse modo, para um cálculo bem mais preciso seria necessário o esforço conjunto das fazendas estaduais e do Distrito Federal em cooperação com a Receita Federal do Brasil[2].

Já o Tribunal de Contas da União (TCU)[3] estimou, no período de 2011 a 2016, apenas com a renúncia de PIS/Cofins, relativas à alíquota zero para agrotóxicos, um total de R$ 6.850 bilhões de reais, sendo observada uma tendência de crescimento. De forma coerente com a tendência de crescimento apontada no Relatório do TCU, em 2018 as desonerações cresceram 32% em comparação a 2017, chegando a R$ 2,07 bilhões. Entretanto, cumpre destacar que, de acordo com o TCU, as isenções relativas ao IPI e II não são monitoradas nem calculadas pela Secretaria da Fazenda. Além disso, não há exigência de nenhuma contraprestação aos beneficiários das isenções fiscais.

Em âmbito estadual, o ICMS constitui uma das principais fontes de arrecadação dos Estados. Não há uma estimativa de quanto se perde na desoneração da circulação intermunicipal e interestadual dessas substâncias. Provocada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Secretaria da Fazenda de São Paulo informou que apenas em 2015 ali houve perda de R$ 1,2 bilhão em ICMS, conforme dados do doc. nº 216, nos autos da ADI nº 5.553.

 

Esse subsidio é necessário pra a produção de alimentos?

Ao triangular os dados sobre as culturas e setores que mais consomem agrotóxicos no Brasil e aqueles que produzem alimentos para demanda interna, diversos elementos permitem compreender que os agrotóxicos são utilizados majoritariamente em culturas que não se destinam a essa finalidade. Essa afirmativa se sustenta em diversos elementos, dentre os quais:

  1. Cerca de 70% da produção de alimentos no país provém da agricultura familiar, em terras de até 4 módulos fiscais. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, apenas 33% das propriedades com menos de 100 hectares (ha) usam agrotóxicos, enquanto que para os grandes latifúndios o número declarado chega a 72%. As isenções fiscais não objetivam beneficiar os pequenos produtores, grandes responsáveis pela produção de alimentos.

  2. Os grandes latifúndios cultivam não comida, mas commodities, ou seja, matéria prima agrícola voltada para a exportação. Neste sentido, conforme os dados do próprio setor econômico, a cultura que mais consome agrotóxicos é a soja, utilizando 55,6% das substâncias, seguida pela cana-de-açúcar, que utiliza em média 9,82%. Com isto, percebe-se que a maior dependência do uso de agrotóxicos está nas culturas destinadas aos insumos industriais, produção de ração animal, biocombustíveis e outras finalidades, que não dizem respeito à alimentação da sociedade. Além disso, deve-se destacar que a soja plantada com sementes geneticamente modificadas é quimicamente dependente de agrotóxicos, mas há uma desproporção entre a quantidade do consumo das substâncias e o aumento da produção agrícola, rompendo o mito da eficiência. Os dados revelados em Dossiê pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) no ano de 2015 apontam que, em 13 anos, a produtividade da soja cresceu apenas 9,5%, enquanto que o consumo de agrotóxicos por unidade de área foi de 124% maior no mesmo período para esta cultura.

  3. Práticas agroecológicas são viáveis para a produção de alimentos, sendo necessário promover uma urgente transição no modo de produção do campo brasileiro. Neste sentido, pesquisas desenvolvidas por C. Badgley, da Universidade de Michigan (Estados Unidos), na publicação “Organic agriculture and the global food supply”, concluem que a agricultura agroecológica tem capacidade para abastecer toda a população mundial. Ainda, países como Dinamarca, Suécia, Noruega, Alemanha e França vem estabelecendo medidas de sobretaxação, proibição de agrotóxicos e políticas de transição para uma agricultura mais saudável.

Contudo, é importante ponderar que a vinculação entre a ampliação do crédito agrícola subsidiado e a compra de agrotóxicos sempre foi um dos principais instrumentos voltados para ampliar a difusão desses produtos nas lavouras, e desde o final da década de 60, o consumo aumentou principalmente devido à isenção de tributos. Essa política oficial de incentivo foi reforçada em 1975, pelo lançamento do Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), e até hoje esses subsídios só se ampliaram, envolvendo também os equipamentos para sua aplicação, como é o caso da compra de aviões de uso agrícola. Até mesmo os projetos voltados ao financiamento da produção por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf), devem contar com o uso de agrotóxicos como condicionantes nas análises dos bancos habilitados a operar com essa linha de crédito. Dados do último censo agropecuário (IBGE, 2017) revelam que as chances de consumo de agrotóxicos são 52% maiores para beneficiários do Pronaf. Em outros termos, nunca houve no Brasil um cenário de produção isento de benesses fiscais.

Esses subsídios acabam distorcendo os custos dos diferentes métodos de controle de pragas e doenças na agricultura, fazendo com que o uso dos agrotóxicos seja sempre economicamente preferível em comparação com soluções mais sustentáveis.

O cenário se agrava ao se considerar que a produção de base agroecológica carrega um ônus adicional, de ter que provar o não uso dos agrotóxicos. Por isso, é igualmente importante subsidiar com linhas de crédito específicas e ao mesmo tempo flexibilizar com responsabilidade a certificação. Recentemente, foi observado m pequeno avanço no país nessa temática, com a adoção dos sistemas participativos de garantias e controle social da produção orgânica. O crescimento de quase 1000% nos estabelecimentos certificados como orgânicos quando comparados os dois últimos censos agropecuários, de 2006 e 2017, pode ser um resultado dessa iniciativa.

 

Tributar agrotóxicos aumentaria o preço da comida?

Não é possível afirmar que a tributação e agrotóxicos aumentaria o preço dos alimentos. É preciso considerar que:

  1. A grande maioria dos produtos que consomem agrotóxicos são commodities, como a soja, o milho, o algodão e a cana-de-açúcar, que, como já dito, não se destinam primariamente à produção de alimentos. Nesse caso, os produtores são tomadores de preços e não formadores. Nessas culturas, os preços dos produtos não são formados pelo custo de produção, mas pelo preço de mercado internacional. Em outras palavras, o preço geralmente é fixado em Bolsas de Valores, de forma que o barateamento do custo apenas permite uma maior margem de lucro ao produtor.

  2. A real produção de alimentos não é consome agrotóxicos de forma tão intensiva, que a grande maioria das pequenas propriedades não os utilizam e que as culturas adaptadas às condições locais tendem a não depender do pacote químico.

Analisando de forma mais cautelosa, um aumento no custo de produção pode também desestimular a oferta desses produtos, principalmente em virtude do menor lucro do produtor, e impactar os preços internacionais no médio prazo. Contudo, certamente o impacto sobre os preços das commodities seria pouco sentido.

Com a tributação, é possível haver algum impacto sobre as olericulturas, que utilizam grandes volumes de agrotóxicos. No entanto, as verduras podem e têm um grande potencial para serem produzidas com técnicas mais sustentáveis, o que requer um conjunto de políticas públicas que estimulem a transição agroecológica.

É necessário destacar que a tributação de agrotóxicos deve estar acompanhada por uma política que aplique estes recursos tanto na redução de danos dos impactos destas substâncias, como em políticas públicas que subsidiem e estimulem a transição para a agricultura agroecológica e familiar, preservando o preço dos alimentos.

Finalmente, do ponto de vista estritamente fiscal, considerando que a desoneração da cesta básica é o principal argumento para que se conceder incentivos fiscais aos agrotóxicos e que no âmbito da União, a parcela dos incentivos fiscais ao uso de agrotóxicos considerados gasto tributário, ou seja, a alíquota zero de PIS/Pasep e Cofins nas operações internas e nas importações projetados para 2019 representam cerca de 9% do montante desonerado da cesta básica, a qual corresponde a 18 bilhões e não incluem o gasto tributário com agrotóxicos (Receita Federal – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2018). Desse modo, infere-se que o impacto nos preços não seria tão grande considerando apenas o custo de produção e a renúncia fiscal da União.

 

Como a renúncia fiscal pode impactar nos cofres públicos, direta e indiretamente?

Quanto se gasta com o tratamento de saúde e com a descontaminação ambiental por conta do uso de agrotóxicos no Brasil?

Os impactos diretos e indiretos de renúncia não são calculados integralmente. De acordo com as estimativas encontradas por Neves (2019), a renúncia fiscal de ICMS do Estado do Rio Grande do Sul relacionada a agrotóxicos em 2006, em valores de 31 de dezembro de 2017, representa mais de 27% do déficit orçamentário desse Estado no exercício desse mesmo ano. Na proposta orçamentária da União para o exercício de 2019 foram previstos 26,1 bilhões de reais para a função orçamentária da agricultura (Brasil, 2018) e a desoneração fiscal consolidada (União, Estados e Distrito Federal) obtida em 2006, em valores de 2018, corresponde a 31% da proposta orçamentária na agricultura, ou seja, mais que um terço do orçamento da agricultura.

Além da renúncia, de forma geral, outros três grandes grupos de custos financeiros podem ser atribuídos aos agrotóxicos: Os custos para a saúde das pessoas, os ambientais e os regulatórios. Nos primeiros, estariam incluídos os danos sobre a saúde dos consumidores, dos trabalhadores e de residentes próximos as áreas de produção. No segundo, a perda da biodiversidade e a contaminação de água, ar, solo, dentre outras e possíveis gastos necessários a descontaminação. Outro grupo de custos seriam aqueles voltados à regulação desses produtos, que inclui a estrutura e trabalhadores/as dos órgãos públicos que analisam o registro, passando pelos envolvidos na fiscalização, monitoramento de resíduos em alimentos e água, até as ações de prevenção de contaminações e intoxicações.

Para a saúde, por exemplo, sabe-se que os agrotóxicos causam intoxicações agudas e crônicas, que oneram de sobremaneira o sistema de saúde brasileiro. Embora haja muitas dificuldades em se estimar os reais custos financeiros com o tratamento de intoxicações, um estudo realizado no Brasil por Soares e Porto (2012) revelou que, para cada dólar gasto na compra de agrotóxico, até 1,28 dólares são gastos para o tratamento de intoxicações agudas. Para as intoxicações crônicas, de seguimento muito mais longo e muito mais onerosas para o sistema de saúde, sequer há uma estimativa do prejuízo. Já o trabalho de Soares e Porto (2010), que utiliza dados de uma pesquisa de agrotóxicos no Paraná, estima cenários de risco em que o custo de intoxicação aguda pode variar entre 11 e 89 milhões de dólares, dependendo das características dos produtores daquele estado.

Já na literatura internacional existe uma grande quantidade de estimativas, que revelam dados alarmantes desses custos para a economia americana. Por exemplo, os custos com a saúde (problemas agudos e crônicos, incluindo cânceres) seriam da ordem de 1,3 bilhões de dólares, ao passo que danos ambientais totalizariam U$4,2 bi. a preços de 2013. Outro estudo realizado nos EUA revela que os custos estimados para o tratamento de doentes e descontaminação de água contaminada passam de U$ 20 bilhões.

Em relação aos custos com regulação, no Brasil, estima-se um custo da ordem de U$ 6 bilhões, extrapolando os dados dos EUA. Com base nesses números é possível arriscar que os dados para o Brasil não seriam muito distantes, tendo em vista que o consumo nacional é superior ao dos EUA, e que as instituições e os produtores possuem mais dificuldade para lidar com os riscos oferecidos por esses produtos, particularmente considerando o cenário de flexibilização da legislação de agrotóxicos no Brasil observado recentemente.

Há ainda o os chamados “custos ocultos”, que são privados e não percebidos pelos produtores, como o aumento da degradação do solo e da resistência das pragas, bem como o decréscimo de organismos benéficos, tais como os polinizadores e inimigos naturais das pragas agrícolas. Ainda, outras externalidades podem ser mencionadas, como os custos de fiscalização e os decorrentes da contaminação das águas por agrotóxicos, revelada a partir de dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), dentre outras.

Todos esses custos são externos ao mercado, e deveriam ser internalizados por meio de medidas como a taxação ao usuário com valor equivalente ao dano, restrições de uso e produção e por meio da adoção de instrumentos econômicos de regulação. No entanto, o preço dos agrotóxicos não inclui danos à saúde e ao ambiente, tampouco reflete o custo social decorrente de seu uso.

 

Que outros produtos têm isenções e reduções tributárias semelhantes?

Os incentivos fiscais são instrumentos de estímulo econômico feitos pelo poder público e não são destinados apenas a produtos, bens e mercadorias. A ideia de concedê-los a determinada atividade ou produto é incentivar atividades que gerem benefícios sociais e não custos sociais, como ocorre com a utilização de agrotóxicos. Portanto, a maioria dos incentivos fiscais são para setores que gerarão utilidade para a sociedade, como por exemplo os incentivos fiscais a medicamentos, ativos imobilizados utilizados em pesquisa, a informática, entre outros (Receita Federal – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2018).

Há uma série de incentivos fiscais vigentes no Brasil, direcionados à diferentes setores. No âmbito da União, o maior incentivo fiscal considerado gasto tributário refere-se ao simples nacional, que em linhas gerais permite um regime de apuração e arrecadação diferenciados, além de diminuir consideravelmente as obrigações acessórias. O simples nacional representa mais 68 bilhões de reais em renúncia fiscal somente da União projetada para 2019 (Receita Federal – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2018).

Ainda há o uso de instrumentos econômicos, taxas, impostos, contribuições, para se regular uma substância perigosa. Esses instrumentos são cada vez mais utilizados em países desenvolvidos, como é o caso da Noruega, Dinamarca, Alemanha, etc, que conferem uma taxação diferenciada a agrotóxicos mais perigosos. No Brasil o uso desses instrumentos de regulação ainda é bastante tímido, mas, mesmo assim, existem bons exemplos nessa linha, como é o caso da sobretaxa do cigarro e do álcool.

 

Qual o impacto do aumento desses impostos nos indicadores de saúde?

A Organização Mundial estima que o aumento do imposto sobre o tabaco seja a política mais eficiente para reduzir o consumo e, consequentemente a exposição a esses produtos. Em países menos ricos, o impacto desses impostos é ainda maior na redução do uso, principalmente em populações mais vulneráveis. Estima-se que a cada 10% em aumento no preço, existe uma diminuição de 2 a 8% no consumo.

Estudos também mostraram que, quando as arrecadações referentes aos impostos sobre esses produtos passam a ser destinadas ao monitoramento de problemas de saúde e de políticas de prevenção do uso e da exposição, o impacto na redução de doenças associadas ao tabaco como o câncer é ainda maior. No período entre 1989 e 2008, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, destinou cerca de U$ 2,4 bilhões de dólares em estratégias de controle do tabaco, que resultaram na redução de U$ 134 bilhões em custos com tratamento de saúde decorrentes da diminuição de casos de câncer entre 1988 e 2010.

A extrapolação dessas contas para estimar o impacto que a taxação sobre agrotóxicos teria nos casos de intoxicação aguda e doenças crônicas como o câncer e, consequentemente, na economia de recursos públicos, não é simples. A diversidade de ingredientes ativos de agrotóxicos, suas misturas e potenciais interações tóxicas, a populações expostas, incluindo de grupos mais suscetíveis e vulneráveis é muito mais complexa, devendo ser objeto de estudos mais aprofundados. Contudo, é inegável que a taxação sobre o tabaco é um exemplo a ser seguido ao se tratar de processos e produtos com grande impacto para a saúde humana e para o ambiente.

Outro ponto de convergência entre esses dois setores econômicos é a interferência da indústria na produção de “estudos” e campanhas de marketing e desmonte de regulação. O “WHO Report on the global tobacco epidemic, 2015 – Raising taxes on tobacco” afirma que “a indústria do tabaco fará o que puder para manter o mínimo de impostos”, evidenciando que as maiores taxas de lucro sempre serão priorizadas, a despeito dos danos decorrentes do uso dessas substâncias.

Além do aumento dos impostos, para o tabaco foram adotadas uma série de políticas e ações voltadas ao controle do uso, como as campanhas informativas e as restrições de uso nos espaços públicos.

Acredita-se que os resultados obtidos a partir da experiência com o tabaco podem ser obtidos com os agrotóxicos, pois ambos os produtos têm uma baixa elasticidade de preço da demanda, ou seja, como tratam de uma relação de dependência, mudanças nos preços pouco afetam a quantidade demandada no curto prazo. No cigarro, essa mudança afetou o comportamento da demanda no médio e longo prazo, e os impactos foram sentidos com o passar dos anos. Ao olhar sob esse prisma, essa mudança tardia na percepção e comportamento dos consumidores seria um movimento positivo para a transição agroecológica, que exige um período de no mínimo três a cinco anos para mudança.


[1] Neves (2019) “Agricultura na contramão: agronegócio, incentivos fiscais e a política de regulação dos agrotóxicos”. Dissertação de Mestrado. PPPGDS/UFRRJ.
[2] Mesmo assim o valor que não é considerado gasto tributário talvez não fosse possível de ser estimado.
[3] Nota Audit/Diaex 19/2017, Anexo I, peça 74, Relatório de Auditoria, TC 028.938/ 2016-0, p.33.

 

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