Projeto busca reduzir tuberculose nas prisões

 

Estratégia apresentada na Semana Uma Só Saúde é voltada para toda a comunidade carcerária, que tem maior risco de adoecimento pela doença devido às condições de vida e saúde a que estão expostas

 

Nathállia Gameiro – Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília

 

A tuberculose (TB) é um problema de saúde pública, atinge 10,4 milhões de pessoas no mundo e é a doença infecciosa que mais mata, superando as mortes por HIV/Aids. No Brasil, 73 mil pessoas foram diagnosticadas com TB no último ano e mais de 4 mil mortes registradas. A população privada de liberdade é responsável por 11% desses casos, com aumento de 50% nos últimos anos.

A realidade dos presídios brasileiros favorece a disseminação da bactéria da tuberculose: superlotação, baixa incidência solar, acesso limitado ao serviço de saúde, desnutrição, uso de álcool e drogas e comorbidades como HIV. Os dados alarmantes não param por aí, o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. De 1990 para cá, o número saltou, de 90 mil para 726 mil pessoas presas no Brasil, e a quantidade de vagas não tem acompanhado o crescimento da população carcerária. Hoje o déficit é de mais de 358 mil vagas, resultando na superlotação do sistema em todos os estados.

“Eles não têm condições dignas de vida. Em uma cela feita para seis pessoas, dormem mais de 20, não tem espaço nem para todos dormirem no chão ao mesmo tempo. A prisão está longe de reabilitar as pessoas”, afirmou o Chefe da Divisão de Assistência Social do Depen, Rodrigo Pereira Lopes, na última quarta-feira, 24 de abril, durante a Semana Uma Só Saúde, em debate com profissionais de saúde, gestores, residentes e estudantes de diferentes regiões do Rio Grande do Sul. 

Diante deste cenário, a Fiocruz, a Coordenação de Saúde do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJSP) e o Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde (CGPNCT/MS) criaram estratégias para o controle da doença, com a Campanha de Comunicação sobre Tuberculose no Sistema Prisional. O projeto tem ação direta em 75 unidades prisionais consideradas porta de entrada para o sistema prisional, com representação em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

O objetivo é acabar com o estigma e preconceito com os acometidos pela doença, divulgar informações e diminuir o número de casos de TB. Entre as atividades de prevenção e orientação estão oficinas regionais, palestras, realização de exames e teatro-fórum para discussão dos temas. Outra ação é a distribuição de materiais para familiares, profissionais de saúde e de segurança e para os próprios detentos, incluindo os que estão em tratamento, das 1500 unidades prisionais do país. As estratégias são adaptadas à realidade de cada uma. Para Patrícia Werlang, do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde, a parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça é uma marca do Brasil e um grande avanço para que todos os direitos sejam garantidos.

O impacto de trabalhar com o tema nas prisões e ampliar o diagnóstico e tratamento precoce dos casos é na população geral, visto que as pessoas privadas de liberdade têm contato com familiares e convivem com profissionais de saúde e de segurança.

No projeto, a Fiocruz Brasília atua na pesquisa para levantamento de dados e informações, apoio à execução, avaliação da implementação da campanha e criação de plataforma digital para toda a equipe do projeto. O coordenador do Núcleo de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília, André Guerrero, explica que a pesquisa busca comparar o contexto epidemiológico relativo à tuberculose antes e após as ações de comunicação e educação em saúde, descrever a organização do cuidado e os possíveis resultados, investigar os dados da busca, diagnóstico, adesão e desfecho do tratamento, além do monitoramento da campanha.

Tratamento

O tratamento da TB dura no mínimo três meses e envolve uma gama de antibióticos, oferecidos gratuitamente pelo SUS, assim como o diagnóstico. É considerado um desafio por diversos fatores, entre eles: abandono e uso errado ou irregular dos medicamentos, que podem tornar os germes mais resistentes. Dados do Ministério da Saúde mostram que 84% dos doentes que estão em liberdade adquiriram tuberculose na prisão. A doença também pode demorar para se manifestar, por isso, 83% dos acometidos pela doença descobriram em até dois anos após sair do presídio.

Assim, o controle da tuberculose está presente em diversas iniciativas do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), como também na Agenda Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU), no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3, que busca, até 2030, acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas pela água, e outras doenças transmissíveis. “Precisamos fazer com que as pessoas permaneçam no tratamento, é para a vida toda”, afirmou Ana Mônica de Mello, do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

Direito à Saúde

De acordo com Rodrigo, o perfil dos presos no Brasil é de homens negros ou pardos, jovens de até 29 anos e com baixa escolaridade (89% não têm nem a educação básica completa). Existem cerca de 292 mil pessoas sem condenação, número que supera o de detentos sentenciados ao regime fechado. Cerca de 70% dos crimes no Brasil foram cometidos sem violência, sendo crimes contra patrimônio ou tráfico.

O direito dos presos à saúde está garantido, como foi apresentado durante o debate, por leis como a Constituição de 1988 e a Lei nº 8.080, que definem o Sistema Único de Saúde (SUS), além da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), instituída por Portaria Interministerial em 2014, com o objetivo de ampliar as ações de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) respeitando os princípios dos direitos humanos e de cidadania.

“É uma maneira para que essas pessoas não se tornem invisíveis no sistema prisional. A única perda que eles tiveram foi o direito de ir e vir, os demais direitos estão preservados”, ressaltou a coordenadora Nacional de Saúde no Sistema Prisional, Emanuelle Santana. O papel dos municípios e profissionais de saúde que executam as políticas públicas foi destacado como essencial para o controle da tuberculose. Emanuelle apresentou o passo a passo para a adesão dos municípios ao PNAISP. Apenas 41 municípios aderiram à Política. “É uma cobertura baixa para o que se necessita. A Política ainda é pouco conhecida, por isso, é um desafio implementar e assegurar a integralidade do direito à saúde para população privada de liberdade no âmbito do SUS”, completou.

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